O meu pai. Nunca escrevi nada sobre o meu pai. Talvez porque sempre insisti em manter uma distância entre nós. O meu pai ocupa um espaço complicado na minha vida. Foi ele a razão principal para eu ter decidido aos 17 anos tirar um curso fora da Madeira. Foi ele também a razão para quando eu terminei o curso, ter permanecido por Lisboa. O objectivo foi sempre não estar de forma permanente no mesmo espaço que ele. Porquê? Porque eu e ele não conseguimos estar em paz mais do que alguns dias seguidos. Porque ele efectivamente não me conhece e penso que tem medo de começar a conhecer. E eu tenho medo de me dar a conhecer, provavelmente por ter uma quase certeza que ele iria condenar e julgar a filha de que tem.
Desde sempre que eu sou a menina do meu pai. O meu pai fez e faz tudo por mim. Basta eu pedir. E basta fazê-lo uma vez. A resposta será sempre sim. Tudo para a sua menina. A minha terapeuta disse-me, certa vez, que o meu pai tinha sido o meu primeiro amor. E desta forma, percebeu-se o complexo de Édipo vivenciado por mim durante tenra idade, em que o meu pai era tudo para mim e a minha mãe era rejeitada. Durante anos, foi assim. Depois por uma série de situações, houve uma inversão e a minha mãe ganhou o papel que hoje em dia ainda mantém, o de base estrutural na minha vida. Disse-me a terapeuta que tal como o meu pai foi o primeiro amor, também foi com ele que sofri as primeiras desilusões. Desilusões essas que viriam marcar toda a minha existência até então. Daqui resultaram também algumas conclusões relativamente à minha estrutura emocional, à independência forçada, à fobia pelas relações e a protecção exacerbada que trago por mim mesma.
O meu pai foi um bon vivant, com muitas mulheres e uma vida boémia. Veio para Lisboa com 17 anos e tinha um nome pelo qual era conhecido na noite. Casou-se duas vezes. Uma primeira com a mãe da minha irmã. E uma segunda com a minha mãe. Apaixonaram-me ela era menor. E ele era 17 anos mais velho. Viveram um relacionamento já ele estava separado mas não divorciado da primeira mulher. A minha mãe mudou a sua vida, os seus objectivos por ele. Tinha ela 19 anos na altura. Adaptou-me a uma vida que não era a que ela queria por ele. E ele nunca soube dar-lhe o retorno. Poderia ter sido uma história de amor feliz. Não foi.
Eu acho que aquando do meu nascimento o meu pai mudou. Não sei se para melhor. Não sei mesmo. Tornou-se caseiro, deixou-se de viagens e penso que de outras mulheres. Dedicou-me à sua menina. Ia buscar-me todos os dias à escola. Levava-me a passear. Ensinou-me a andar de bicicleta e a nadar. Levava-me também ao futebol. E dava-me tudo o que eu queria. Lembro-me que almoçávamos todos os dias juntos. Durante anos a nossa relação foi feliz. Depois eu cresci e na minha vida começaram a entrar amigos e amigas. E a entrada na adolescência foi o que nos afastou. Porque eu queria fazer o que os amigos faziam e ele achava que era melhor não. Sempre uma protecção excessiva. Ou não. Porque eu era a sua luz. A sua menina. Nunca o perdoei, confesso. Nunca o perdoei, ter-me impedido de viver. Nunca o perdoei, o facto de durante aquelas anos antes de vir para Lisboa, me ter sentido presa e sufocada. Nunca o perdoei, o não conseguir dizer-lhe as coisas. As que realmente seriam importante para ele saber. E hoje em dia sei que não o perdoo por não me conhecer. Desisti dele há muito tempo. Mas é o meu pai. E eu sinto amor por ele.
Quando eu cheguei a Lisboa, eu fiz tudo o que de "errado" poderia haver. Tudo o que ele condenaria, decerto. Saía todos os dias à noite. Fumei charros atrás de charros. Embebedei-me. Estive com muitas mulheres. Não ia às aulas e dormia imenso. Tudo isto foi feito às escondidas e sem o seu conhecimento. Tudo isto foi feito provavelmente para o chocar. Tudo nas suas costas, porque faltou, como ainda me falta, a coragem para dizer-lhe tudo o que tenho para dizer. Também sei que o mais certo é que ele morra primeiro. E então terei de arranjar outra forma de falar com ele.
Nestes dias que passei com ele, tomei consciência de uma coisa que me aterrorizou. Em certas e determinadas alturas eu comporto-me como o meu pai. O tom de voz muda. as feições alteram-se. O comportamento. A postura. Eu torno-me o meu pai. Tal e qual. Eu torno-me naquela pessoa que eu não perdoo. Que me fez ter sentimentos de revolta e agressividade durante anos. Aquela pessoa que sempre que eu me meto em algo novo, me acusa de desistir. "Vais fazer isso porquê? Já sabes que nunca levas nada ao fim, vais desistir". Isto perseguiu-me durante a vida toda. Quanto às dietas, ao desporto, ao inglês, ao teatro. A tudo. Sim, eu nunca levei nada ao fim. Obrigada pai. Para além de não me conseguir conciliar contigo ainda tenho de me rever em ti. Foda-se.
O meu pai continua a fazer tudo por mim. Veio a Lisboa este mês e trouxe-me o carro dele para trocar com o meu. Porque o dele supostamente é melhor para eu conduzir (confere). Antes da viagem, levou o carro à oficina e tratou de tudo. Durante alguns dias não andou com o carro. Porque estava todo limpo e queria que eu o visse assim. Se nota que eu preciso de alguma coisa, ele de seguida apenas diz "não te preocupes com nada.". E de certa forma, isso descansa-se e eu consigo respirar fundo. Porque sempre que eu precisei ele estava lá. Isto com as pequenas coisas mas que também pode ser grandes. Depende sempre da importância a que damos às coisas na altura.
A primeira vez que adoeci em Lisboa, liguei-lhe. Disse-lhe que tinha 38 de febre e que me doía a garganta. A resposta foi " O pai vai já apanhar o avião para Lisboa". Não apanhou porque a minha irmã veio buscar-me e durante uma semana cuidou de mim. Foi e é um pai presente, preocupado com as minhas necessidades. Não é um pai que me conheça. Para ele serei sempre aquela pequenina vestida com o equipamento do marítimo e com um cachecol do Porto, não esquecendo a bandeira que eu nem conseguia aguentar. Tinha eu uns dois anos. Lembro-me tão bem disto porque vi muitas fotos. E para ele, haverá sempre a certeza que o que fez e a forma como agiu foi para o meu bem. Sempre para o meu bem. Mesmo que lhe escape as consequências das suas atitudes. Não serei eu a dizer-lhe. Há algum tempo que cheguei à conclusão que ele deve partir deste mundo com a imagem de uma filha quase perfeita. Que teve sempre um comportamento impecável e que nunca o desiludaria. Esta imagem foi criada desde muito nova. Já não me pesa. Quando estou com ele aparentemente sou mesmo perfeita. Aparentemente. Não faz mal. Afinal de contas, ele foi o meu primeiro amor.
Desde sempre que eu sou a menina do meu pai. O meu pai fez e faz tudo por mim. Basta eu pedir. E basta fazê-lo uma vez. A resposta será sempre sim. Tudo para a sua menina. A minha terapeuta disse-me, certa vez, que o meu pai tinha sido o meu primeiro amor. E desta forma, percebeu-se o complexo de Édipo vivenciado por mim durante tenra idade, em que o meu pai era tudo para mim e a minha mãe era rejeitada. Durante anos, foi assim. Depois por uma série de situações, houve uma inversão e a minha mãe ganhou o papel que hoje em dia ainda mantém, o de base estrutural na minha vida. Disse-me a terapeuta que tal como o meu pai foi o primeiro amor, também foi com ele que sofri as primeiras desilusões. Desilusões essas que viriam marcar toda a minha existência até então. Daqui resultaram também algumas conclusões relativamente à minha estrutura emocional, à independência forçada, à fobia pelas relações e a protecção exacerbada que trago por mim mesma.
O meu pai foi um bon vivant, com muitas mulheres e uma vida boémia. Veio para Lisboa com 17 anos e tinha um nome pelo qual era conhecido na noite. Casou-se duas vezes. Uma primeira com a mãe da minha irmã. E uma segunda com a minha mãe. Apaixonaram-me ela era menor. E ele era 17 anos mais velho. Viveram um relacionamento já ele estava separado mas não divorciado da primeira mulher. A minha mãe mudou a sua vida, os seus objectivos por ele. Tinha ela 19 anos na altura. Adaptou-me a uma vida que não era a que ela queria por ele. E ele nunca soube dar-lhe o retorno. Poderia ter sido uma história de amor feliz. Não foi.
Eu acho que aquando do meu nascimento o meu pai mudou. Não sei se para melhor. Não sei mesmo. Tornou-se caseiro, deixou-se de viagens e penso que de outras mulheres. Dedicou-me à sua menina. Ia buscar-me todos os dias à escola. Levava-me a passear. Ensinou-me a andar de bicicleta e a nadar. Levava-me também ao futebol. E dava-me tudo o que eu queria. Lembro-me que almoçávamos todos os dias juntos. Durante anos a nossa relação foi feliz. Depois eu cresci e na minha vida começaram a entrar amigos e amigas. E a entrada na adolescência foi o que nos afastou. Porque eu queria fazer o que os amigos faziam e ele achava que era melhor não. Sempre uma protecção excessiva. Ou não. Porque eu era a sua luz. A sua menina. Nunca o perdoei, confesso. Nunca o perdoei, ter-me impedido de viver. Nunca o perdoei, o facto de durante aquelas anos antes de vir para Lisboa, me ter sentido presa e sufocada. Nunca o perdoei, o não conseguir dizer-lhe as coisas. As que realmente seriam importante para ele saber. E hoje em dia sei que não o perdoo por não me conhecer. Desisti dele há muito tempo. Mas é o meu pai. E eu sinto amor por ele.
Quando eu cheguei a Lisboa, eu fiz tudo o que de "errado" poderia haver. Tudo o que ele condenaria, decerto. Saía todos os dias à noite. Fumei charros atrás de charros. Embebedei-me. Estive com muitas mulheres. Não ia às aulas e dormia imenso. Tudo isto foi feito às escondidas e sem o seu conhecimento. Tudo isto foi feito provavelmente para o chocar. Tudo nas suas costas, porque faltou, como ainda me falta, a coragem para dizer-lhe tudo o que tenho para dizer. Também sei que o mais certo é que ele morra primeiro. E então terei de arranjar outra forma de falar com ele.
Nestes dias que passei com ele, tomei consciência de uma coisa que me aterrorizou. Em certas e determinadas alturas eu comporto-me como o meu pai. O tom de voz muda. as feições alteram-se. O comportamento. A postura. Eu torno-me o meu pai. Tal e qual. Eu torno-me naquela pessoa que eu não perdoo. Que me fez ter sentimentos de revolta e agressividade durante anos. Aquela pessoa que sempre que eu me meto em algo novo, me acusa de desistir. "Vais fazer isso porquê? Já sabes que nunca levas nada ao fim, vais desistir". Isto perseguiu-me durante a vida toda. Quanto às dietas, ao desporto, ao inglês, ao teatro. A tudo. Sim, eu nunca levei nada ao fim. Obrigada pai. Para além de não me conseguir conciliar contigo ainda tenho de me rever em ti. Foda-se.
O meu pai continua a fazer tudo por mim. Veio a Lisboa este mês e trouxe-me o carro dele para trocar com o meu. Porque o dele supostamente é melhor para eu conduzir (confere). Antes da viagem, levou o carro à oficina e tratou de tudo. Durante alguns dias não andou com o carro. Porque estava todo limpo e queria que eu o visse assim. Se nota que eu preciso de alguma coisa, ele de seguida apenas diz "não te preocupes com nada.". E de certa forma, isso descansa-se e eu consigo respirar fundo. Porque sempre que eu precisei ele estava lá. Isto com as pequenas coisas mas que também pode ser grandes. Depende sempre da importância a que damos às coisas na altura.
A primeira vez que adoeci em Lisboa, liguei-lhe. Disse-lhe que tinha 38 de febre e que me doía a garganta. A resposta foi " O pai vai já apanhar o avião para Lisboa". Não apanhou porque a minha irmã veio buscar-me e durante uma semana cuidou de mim. Foi e é um pai presente, preocupado com as minhas necessidades. Não é um pai que me conheça. Para ele serei sempre aquela pequenina vestida com o equipamento do marítimo e com um cachecol do Porto, não esquecendo a bandeira que eu nem conseguia aguentar. Tinha eu uns dois anos. Lembro-me tão bem disto porque vi muitas fotos. E para ele, haverá sempre a certeza que o que fez e a forma como agiu foi para o meu bem. Sempre para o meu bem. Mesmo que lhe escape as consequências das suas atitudes. Não serei eu a dizer-lhe. Há algum tempo que cheguei à conclusão que ele deve partir deste mundo com a imagem de uma filha quase perfeita. Que teve sempre um comportamento impecável e que nunca o desiludaria. Esta imagem foi criada desde muito nova. Já não me pesa. Quando estou com ele aparentemente sou mesmo perfeita. Aparentemente. Não faz mal. Afinal de contas, ele foi o meu primeiro amor.
*escrito algures em 2010 e relembrado hoje