O pecado mora ao lado por Mónica Marques




"Aviso prévio: este é um texto escrito em plena segunda adolescência. A segunda adolescência é uma coisa que dá a algumas pessoas mais ou menos a partir dos 35 anos e não se sabe exactamente quanto tempo vai durar. Durante esta crise costumamos padecer outra vez por não sabermos muito bem o que queremos, onde estamos e para onde vamos. Também perdemos todo o bom senso e objectividade e, às vezes, cometemos grandes loucuras,  sempre amorosas. Eu quase voltei a fumar, só porque comecei a acreditar que ficava sexy de cigarro na mão. 
Só os imbecis não têm e não nutrem as suas obsessões. Eu vivo às voltas com as minhas, e ser ou não ser fiel é uma delas: um bicho de sete cabeças. E para começo de conversa, vou já dizendo que acho a fidelidade amorosa uma impossibilidade: uma teoria tão utópica, capaz de fazer tanto mal às pessoas e provocar tantas atrocidades às suas relações, como o comunismo e seus gulags fizeram com os moscovitas que ainda hoje cambaleiam na praça vermelha, conservados em vodka. 
Curto e grosso: a fidelidade não é uma coisa natural. Não é natural porque qualquer  experiência amorosa é uma coisa fugaz e provisória. E se no início de uma relação as pessoas estão tão apaixonadas que não desejam mais ninguém, o tempo de convivência e os excessos da intimidade - os puns, os cocós, as tampas de sanita, as meias pelo chão, o mau hálito,  os Ob´s em cima do balcão da casa de banho (peçam-me para parar, please)  - são obstáculos à continuação dessa loucura a que costumamos chamar enlevo ou enamoramento. O Francesco Alberoni explicou-me isso nos bancos da Escola Secundária de Benfica, quando na escola ainda havia ciganos e eu achava que o meu primeiro amor - um cigano esperto - ia ser eterno.  É que nem cheguei a ter que viver tanta intimidade, porque  os pais dele fizeram o favor de lhe colocar um dente de ouro. E eu fiquei totalmente baralhada porque tinha perdido a vontade de lhe dar beijinhos e, enquanto procurava uma explicação para todo aquele repentino desinteresse erótico, fui dar de caras com o Vinicius de Moraes e aquele verso final do Soneto da Fidelidade: “Mas que seja infinito enquanto dure”. Tenho feito dele a minha doutrina desde aí.  Cada vez que me caio de amores pergunto logo: Já leste o Vinicius, não?
Uma relação dá trabalho - porque dá trabalho andar a par,  todos sabemos que sim (Elisabeth Badinter  diz que andar a par está perto de um negócio) - e na maior parte das vezes é uma tarefa hercúlea para a qual a nossa preguiça não está preparada, assoberbados que estamos pela falta de tempo e pela facilidade com que hoje encontramos tantas pessoas especiais e estabelecemos novas relações ( Boa Sorte, Vanessa da Mata).  E também porque, quando finalmente pomos mãos à obra,  esse trabalho de construção ou reconstrução necessárias descamba muitas vezes naquela aproximação pidesca onde já não estamos ali a construir nada mas sim a vigiar ou a cobrar episódios nos quais por amor à fidelidade usámos de alguma contenção - como naquela noite a dançar na discoteca Help -  e por isso nos achamos no direito de nos tornarmos no  Homem do Fraque. 
E então isso já não é nem fidelidade, nem construção, mas um excelente trabalho de vigilância em relação aos afectos do outro, uma fidelidade credora que faz com que muitas vezes desviemos  a atenção de alguém muito interessante que surgiu ali ao virar da esquina. I know, I’ve been there e é uma merda. Quando fico nervosa falo línguas estrangeiras. (...)"

Ler o texto na íntegra aqui 

2 comentários:

  1. Brutal! É isto! Lindo! Adorei aquele vómito dos ob's, dos traques, da tampa de sanita e tb do facto de ela ter ouvido o Alberoni. Eu só o Li. Muito.
    às vezes questiono-me se a fidelidade e a lealdade andam lado.a.lado... sei que são palavras cujo significado é mto diferente. Ainda estou para descobrir se me sinto leal à fidelidade ou se fiel à lealdade....

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  2. Gosto imenso do que ela escreve e como o faz.

    Pois. Fidelidade e lealdade. Não sei. às vezes estou como o texto. Outras não. é confuso. Entendo tão bem o que ela diz e revejo-me. Por outro lado, ainda tenho para mim que a monogamia tem a sua piada. Mas já teve mais. lol. Nos dias que correm, tanta coisa tornou-se vulgar, que sei lá.

    Bem, um dia espero ter esta conversa contigo na tão nossa varanda, vale? :D

    (A MJ vai ficar com ciúmes, apostamos? :P)

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