1º Parágrafo

1º Parágrafo

Ninguém poderá antever o primeiro poema entre dois olhares. Não. Apenas existem rascunhos dos momentos anteriores. Papel escrito por pensamentos. Vontades. Expectativas. Inquietação. Mas o poema. O poema só será escrito no preciso segundo em que se dá o conhecimento.

Mas permite-me que te fale no que aconteceu antes. Na inesperada visita que fizeste à minha vida. Deixa que te conte a confusão. O turbilhão. O sorriso. O tempo ocupado por ti. As palavras que se formaram por entre as nossas conversas. Por entre o som da tua voz. Diante de horas e horas. Dia e noite. Madrugada acordada por nós. As viagens em que te acompanho no teu carro. As viagens em que me acompanhas para casa. As noites em que o dia acontece contigo. A tua permanência na minha almofada. Do lado direito da minha cama. A história que se timbra no ar frenético do Verão.

Não é no trunfo das palavras que se faz a frase do presente. Não é no habilitar do som arcaico dos sentidos que se cria a casa. A morada. O porto de abrigo em terra. É sim no dedilhar da entrega. Do hábito que é novo e presente. Do hábito que renomeia outros anteriores. Que é sentido como a chave polivalente que se promete no entrar. Na abertura da porta. Da janela sobre a alma rebelde. Sobre o estado crescente dos nossos dias. E agora, na completude do conhecimento digo-te – Caminha. Caminha comigo.

Não me assusta a chuva. Os trovões. As poças de água. A distância. Os bloqueios fermentados do ontem. Não me assusta o teu medo. O teu receio. Não me assusta o tempo que possa demorar até sentir o abraço em pleno. A divisão do beijo. A reminiscência do teu corpo no encontro do meu. A inquietação da incerteza que paira por nós. Porque eu sinto. Eu divago. Eu quero. E por querer persisto e procuro. Avanço com os olhos abertos. Mesmo que por momento, pare. Olhe novamente. E dê o passo. Mesmo que nos limites do que sou, exista a impaciência. O querer já. O querer agora. O querer tudo. Mas neste caminho eu aguardo. Por acreditar. Que é possível. Que nada nos impossibilita de lá chegar. E continuo. Sem medo do estilhaço. Sem medo do que possa acontecer.
Mostro-me. Mostro-me a ti para que te permitas conhecer-me. Para que consigas entender quais os dias em que sou doce. Ou ácida. Ou indigesta. Quais os momentos em que insurjo e te surpreendo. Quais os momentos em que fujo e perco-me pelo labirinto do que sou. Qual o segundo em que pego numa incerteza e a recrio certeza. Desnudo-me para que conheças como cresci. Que apreendas a minha história antes de ti. O meu percurso. Os erros. As volatilidades sentidas. Os sentires ancestrais. Tudo o que me fez ser quem sou. A menina que te procura e se aconchega no teu peito. A mulher que observa até que possa concluir. A menina que não gosta de trovões e não pára quieta. A mulher que procura pelos instintos da pele. A menina que vagueia perdida pelos dias. A mulher que te consome. A menina que acredita e confia. A mulher que é descrente e que se sente cansada. A menina que sorri para ti. A mulher que te provoca. A menina que é mimalha quando a noite cai. A mulher que te olha nos olhos e te lê. A menina que te dá a beber água pelo jarro que é copo e não desiste da sua ideia. A mulher que te dá o alimento pelas palavras.
A menina e a mulher. Menina-mulher que sobe pelos escombros e te agarra. Para que fiques. Para que vejas. Para que não tenhas medo. Para que acredites. No mais do mais que existe no tudo. Sim. A menina-mulher que te entrega a mão para que caminhes. Para que olhes, apreendas. Reconheças o que está diante de ti.

Ofereço-te o poema que trago em mim.
A luz e a escuridão que criam raízes no meu mais profundo.



(escrito algures em 2009)




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